sexta-feira, 1 de maio de 2009

Quantos Dias Faltam Para Que Ontem Faça Parte do Futuro?


Segue-se um excerto do texto do espectáculo QUANTOS DIAS FALTAM PARA QUE ONTEM FAÇA PARTE DO FUTURO ? levado à cena pelo Colectivo de Teatro "O GRUPO" em 1998. Com encenação da Ana Nave e texto do autor deste Blogue. O monólogo que aqui se reproduz foi representado por Ana Saltão (à direita na foto mais à direita, contracenando com Gonçalo Amorim, na foto da esquerda, no chão, Sara de Castro). Publico este monólogo no Carapau devido à passagem que refere a visão da Outra Mulher sobre os vírus.


6ªCENA
Palco

Outra Mulher: É incrível como as coisas acontecem. Ainda ontem seria incapaz de imaginar que o futuro imediato me iria colocar aqui, perante vós, tentando merecer a vossa confiança. É incrível, incrível... o futuro é incrível! Quem seria capaz de prever semelhante acontecimento? Aliás, na minha opinião, a previsão do futuro continua a ser a principal actividade humana. Desde tempos imemoriais que a nossa espécie tenta ler os sinais correctos que desvendam o que está para vir. Bruxos e adivinhos procuraram, no passado, ler coisas tão improváveis como as entranhas dos animais ou o voo dos pássaros. Os astrólogos esgotam a imaginação à procura de uma ordem celeste que oriente os acontecimentos sobre o nosso planeta. Os analistas políticos passam horas intermináveis às voltas com noticiários, telefonemas, contactos exclusivos, pretendendo decifrar os sinais que vão influenciar as grandes decisões dos dirigentes mundiais. Os consultores económicos lêem gráficos, tendências de mercado, sei lá que mais. É um frenesim! A leitura do tempo que há-de vir. Uma paixão. Já viram bem a quantidade de horóscopos que enxameiam a imprensa? Os astrólogos com consultórios abertos a abarrotar de pessoas? Não acham fascinante? É que todos estes sistemas são de tal modo frágeis, abeiram-se tanto do caos, que o “efeito borboleta” toma as formas mais inauditas. Conhecem essa ideia? Uma borboleta bate as asas em Tóquio e mais tarde, um furacão devastador arrasa uma cidade inteira na América. Deus nos livre! O Presidente mostra a “coisinha” a uma miúda, na Casa Branca, e vai despoletar uma guerra no Golfo Pérsico. Não é espantoso? Quem poderia prever que uma situação de assédio sexual fosse tomar semelhantes proporções? E a queda do Muro de Berlim? Como foi aquilo acontecer assim, quase de um momento para o outro? E o vírus da SIDA? Quem imaginaria a humanidade “encostada à parede” por um vírus demasiado inteligente? Por falar em vírus, acreditem, essa é a verdadeira guerra. Quer dizer, os vírus constituem-se em exércitos organizados e inteligentes, o seu objectivo é a conquista do planeta. Acho esta ideia simplesmente fascinante. A humanidade preocupada em combater seres que é incapaz de compreender, seres que a guerra não pode parar. É evidente que os vírus comunicam entre si, têm a sua linguagem, interagem com a finalidade de nos tratarem muito mal. Estão acima de nós na cadeia alimentar. Os super-predadores! Esta ideia é, simplesmente, fascinante.
Desculpem. Certamente que não foi para me ouvirem tagarelar como uma louca que vossas excelências me convocaram. Pois bem! É com todo o gosto que me ofereço para cobaia de vossas excelências. Desejo sinceramente ser pioneira na criação de uma colónia humana. Tive a oportunidade de tomar conhecimento das condições e estou disposta a oferecer os próximos dez anos da minha vida à experiência que permitirá salvar o homem na sua identidade enquanto espécie e todo o ecossistema que o acolhe.
Modéstia à parte, faço falta a qualquer colectivo. Sou uma criativa compulsiva. Penso, penso, penso, falo, falo, e as ideias tomam forma em catadupa. Jorram, espalham-se para fora de mim, sou uma central eléctrica capaz de alimentar as estrelas do Universo inteiro.
Oooops, desculpem, mais uma vez. Estão a ver? Lá vou eu... não tenho mão no meu
próprio sistema nervoso (Ri).
....Aqui estou, sou assim mesmo... forneçam-me um tema...., dêem-me um mote.... sim,sim, vamos lá, escolham um tema qualquer e vão ver como sou capaz de dissertar sobre ele livremente e a grande velocidade. Digam qualquer coisa! Vá, vá, vamos lá!

(Black out)

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